terça-feira, 31 de janeiro de 2012

DOAÇÃO DE ÓRGÃOS: SANTA CATARINA QUEBRA RECORDES

Taxa de transplantes no Estado em 2011 foi a maior do país e da América Latina, mas listas de espera continuam grandes.

Pedro Henrique Leal

Embora ainda haja muito a ser melhorado na questão e ainda existam 1245 catarinenses aguardando por uma doação, em 2011 Santa Catarina se destacou na captação e transplante de órgãos: foram 25,4 transplantes por milhão de habitantes – a melhor taxa já registrada na América Latina, como ressalta o coordenador estadual de Transplantes, Joel de Andrade. “Mas ainda há muito para melhorar neste sentido, e temos investido pesado nisto”, afirma. O recorde anterior era do Uruguai, com 20,2 transplantes por milhão, em 2008. No Brasil, a taxa de 2011 foi de 10,6 transplantes por milhão.

Com a melhor taxa de conversão em doações do país, Santa Catarina registrou ano passado 384 mortes encefálicas e efetuou 159 doações – 41,40%. “Tivemos 170 casos em que a família aprovou a captação dos órgãos, embora em 11 deles não tenha sido possível aproveitar o órgão devido a problemas logísticos”, comenta, citando um caso em Videira, no qual o mau tempo impediu que a equipe de transplantes chegasse a tempo. “Quando chegamos, a família havia mudado de ideia”, lamenta. Dos 159 convertidos em doação, dois casos foram perdidos. “Quando foi feita a captação, foram vistas lesões que não permitiriam o uso dos órgãos”, explica.

Duas questões principais impedem a doação: em 20 casos, problemas médicos inviabilizaram a doação. “Algumas vezes as condições de saúde do falecido fazem os órgãos não serem aproveitáveis, por risco de contaminação, ou devido ao dano”. Mas o problema maior, fora das questões de logística, é a rejeição da família, que impediu 95 doações. “E essa é a etapa mais complicada e dolorosa do processo, a entrevista familiar”, ressalta. Apesar disso, o Estado tem um ótimo índice de recusa, de cerca de 30%, contra a média nacional de 45%. “Temos profissionais treinados na Espanha para fazer a procura, e para conversar com as famílias, buscando atingir o índice espanhol, que é o melhor do mundo”, afirma. No país europeu, a taxa de recusa é de 15%.

Falta conscientização

Além do treinamento das equipes de captação, a secretaria da Saúde do Estado tem buscado educar e conscientizar a população. “A maioria dos casos de recusa não tem a ver com a família não querer que os órgãos sejam doados, mas com a pessoa ter dito em vida que não queria doar”, explica, ressaltando que se isso ocorre, é sinal de que o Estado tem falhado em informar a sociedade. “Nós evoluímos muito neste sentido, já tivemos índices de recusa acima de 40%, mas ainda tem muita gente que não entende direito como funciona a doação”, observa.

Situação em Jaraguá é muito boa

Com 25 notificações de morte encefálica e 13 doações efetivadas no ano passado, Jaraguá do Sul atraiu elogios do coordenador estadual de transplantes. “Tivemos uma participação muito ativa do município para ajudar na redução das filas de espera, e um índice excelente de conversão, acima de 50%”, comenta. De acordo com a coordenadora da Comissão Intrahospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (Cihdott) do hospital São José, Daniela Bertolino Vieira, a captação quebrou recordes em 2011. “Temos a cada ano mais e mais pessoas que se registram como doadoras, e a agilidade na captação tem ajudado muito”, informa.

Das 13 doações efetuadas no ano passado, foram retirados rins, fígado e córneas em todos os casos e, além disso, foram feitas duas doações de coração e uma de pulmões. “Aqui só é feita a captação, não temos como fazer o transplante, e os órgãos são encaminhados para a central de transplantes, em Florianópolis”, explica.

Entre as 12 mortes encefálicas notificadas pelo hospital em 2011, oito delas tiveram a doação recusada pelas famílias, o que segundo a coordenadora do Cihdott demonstra que existem problemas de informação. “A população não entende bem o que é a morte encefálica, não compreende que é a morte do cérebro, e às vezes reluta em permitir a coleta dos órgãos, esperando que a pessoa vá melhorar”, explica Daniela Bertolino Vieira, coordenadora do Cihdott.

Transplante é uma corrida contra o tempo

Declarada a morte encefálica e autorizada a coleta, é iniciada uma verdadeira corrida contra o tempo para que os pacientes na fila de espera recebam os órgãos. “Cada órgão tem um limite de tempo para que esteja implantado no receptor, o que molda as prioridades para a destinação”, explica a coordenadora do Cihdotti. Isso já começa com a extração – que na maioria dos casos tem que ser feita antes da parada cardíaca. Apenas as córneas, ossos e rins podem ser coletados após o coração parar – e no caso dos rins, a janela de oportunidade é de apenas 30 minutos.

A prioridade dos órgãos retirados em Jaraguá do Sul é a lista de espera do Estado, seguida do Paraná e o Rio Grande do Sul.

São 24 horas de espera no máximo para o pâncreas e o fígado, e 48 horas para os rins. As córneas agüentam até sete dias. A situação é mais crítica com pulmões e o coração, que precisam estar no novo corpo em, no máximo, seis horas. “Com o coração e os pulmões, a agilidade é essencial, e tanto o órgão quanto o paciente precisam estar prontos para a cirurgia em cerca de quatro horas, caso contrário, a doação está perdida”, explica.

Quando se trata de transplante de rins ou de fígado, é possível que seja feita a doação em vida. No caso dos rins, o corpo tem dois e pode ficar sem um deles, embora passe a exigir maiores cuidados com a alimentação. Já no caso do fígado, o transplante em vida envolve retirar uma parte do órgão, que pode se regenerar, e continua funcionando mesmo com a parte faltando.

Prioridade para emergências

Embora muitos dos casos no Estado estejam nas listas de espera há bastante tempo – pois não é raro que a espera por um órgão dure meses ou anos –, nem sempre o transplante vai para quem está há mais tempo na fila. “A prioridade número um são as chamadas emergências zero, em que o paciente precisa do órgão de imediato, como quando ocorre falência dos rins, por exemplo”, explica Daniela. Nestas situações, pacientes que não estão em estado crítico, mas que podem esperar mais tempo, ficam em segundo plano. A outra prioridade excepcional vai para crianças, que são favorecidas quando há disponibilidade de doadores.

Devido aos limites de tempo para o transplante, os pacientes de dentro do Estado têm preferência sobre os demais. “Quando há um órgão disponível, primeiro é rodada a lista de Santa Catarina, e só se não houverem receptores no Estado é que é verificada a nacional, e o mesmo padrão é seguido no resto do país”, explica a coordenadora do Cihdotti.

Um ato final de caridade

“Eu não sei para quem foram os órgãos, mas nós nos sentimos muito bem sabendo que alguém foi ajudado”, conta o aposentado Roseno Machado, de 69 anos, sobre os órgãos do filho Reni Conceição de Machado, falecido em maio do ano passado. Portador de epilepsia, o auxiliar de transportes de 45 anos teve uma crise enquanto andava de bicicleta, o que resultou em queda e em um traumatismo craniano fatal.

“A decisão de doar foi uma coisa unânime, da família toda. Nós sabíamos que ele iria querer isso, e ele já havia deixado claro que o que nós decidíssemos caso algo acontecesse ele estava de acordo”, conta. Devido à doença, Reni contava muito com a ajuda e as opiniões da família. “Ele esquecia muito as coisas e não tomava decisões sozinho”, lembra.

A doença não lhe impedia de trabalhar, mas exigia cuidados especiais. “Ele tinha momentos de crise, ficava três minutos ‘fora do ar’, e aí caia, e foi isso que levou ao acidente”, lamenta. Quando tinha as crises, era comum passarem três ou quatro dias sem nenhum problema. “Aí quando menos se esperava, ele tinha outro ataque epiléptico”, diz. Reni sofria com a doença desde os seis meses de idade e a família fazia acompanhamento médico para reduzir os sintomas e evitar que ele se ferisse durante as crises.

A família de Reni fez a doação dos rins, córneas, fígado e das válvulas do coração. “Quando nos informaram da morte encefálica, a gente sabia que tinha que autorizar a doação”, lembra, frisando que da família, a opinião é unânime: se acontecer algo, os órgãos devem ser doados. “Afinal, nunca se sabe quem vai ajudar, e quando você pode acabar precisando. Se não vai usar mais, que ajude outra pessoa”, pondera.

17/01/2012

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